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O papel das mulheres e das serpentes nos mitos de criação é o caso de teste perfeito para a pesquisa aprofundada da OpenAI. Os leitores provavelmente estão familiarizados com o tema, podendo verificar as afirmações. Além disso, nenhuma questão de pesquisa tão específica foi feita em formato de livro1. O prompt é fornecido abaixo. No documento, deixo as citações (que falharam ao copiar e colar) como 【?†L??-L??】e incluo imagens de minha escolha (frequentemente com algum contexto relacionado à minha pesquisa na legenda). Fiquei extremamente impressionado com a análise. Não se prendeu demais às mulheres e serpentes, fornecendo alguns mitos onde nenhum dos dois estava presente.
Prompt: Forneça um resumo comparativo bem pesquisado de mitos de criação de diversas culturas ao redor do mundo. Foque especificamente em mitos que explicam o surgimento da consciência humana, civilização ou a condição humana — em vez de origens puramente cosmológicas (por exemplo, de onde veio a Terra). A seleção deve ser representativa em todas as regiões, incluindo, mas não se limitando a, tradições indígenas americanas, africanas, do Oriente Próximo, indianas, do Leste Asiático, oceânicas e europeias. Inclua pelo menos 20 culturas.
Enfatize os papéis das mulheres nesses mitos, especialmente como portadoras de conhecimento, catalisadoras de transformação ou figuras associadas às origens da autoconsciência. Além disso, preste atenção especial a serpentes e dragões, particularmente em suas conexões simbólicas com sabedoria, perigo, caos ou iniciação em um novo estado de ser. Sempre que possível, estabeleça conexões entre esses motivos em diferentes culturas.
Mitos de Criação da Consciência Humana e Civilização: Uma Tapeçaria Global#
Os mitos de criação de culturas ao redor do mundo frequentemente exploram não apenas como o mundo começou, mas também como os humanos alcançaram a consciência, o conhecimento, a ordem social e os fardos da condição humana. Nesses ricos narrativas, as mulheres frequentemente aparecem como figuras centrais — mães, trapaceiras, professoras — que trazem sabedoria ou mudança, enquanto serpentes ou criaturas semelhantes a dragões frequentemente simbolizam sabedoria, caos ou a perigosa busca pelo conhecimento. Abaixo está uma jornada por pelo menos vinte histórias de criação diversas, cada uma apresentada em seu contexto cultural. Esses mitos explicam em seus próprios termos o surgimento da autoconsciência humana, civilização e lutas existenciais. (Notas comparativas são adicionadas apenas após cada mito ser contado em seus próprios termos.) Todas as interpretações são apoiadas por referências acadêmicas.
Inanna e o Sagrado Me da Civilização (Suméria, Mesopotâmia)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Selo cilíndrico acádio antigo representando Inanna descansando seu pé nas costas de um leão enquanto Ninshubur está à sua frente prestando homenagem, c. 2334–2154 a.C.
Na antiga Suméria (Mesopotâmia), a deusa Inanna (também conhecida como Ishtar) é celebrada como uma ousada portadora da civilização. Em um mito, ela se propõe a obter o Me, os poderes sagrados ou decretos que fundamentam a civilização humana, de Enki, o deus da sabedoria. Esses Me são descritos como ordenanças divinas que cobrem todos os aspectos da vida culta — lei, arte, música, amor, realeza, tecelagem e mais — o próprio plano da sociedade. Inanna visita a cidade de Enki, Eridu, e através de um encontro astuto e convivial (frequentemente envolvendo uma festa de bebida), ela convence o sábio mas desavisado Enki a presenteá-la com centenas desses Me. Depois que Inanna navega de volta para Uruk com seus prêmios, Enki percebe o que aconteceu e tenta recuperá-los, mas o plano de Inanna prevalece. Em segurança em sua própria cidade, a deusa concede os Me à humanidade, dando origem ao conhecimento humano organizado, cultura e ordem social.
A história de Inanna destaca uma mulher como a portadora de conhecimento e civilização. Por sua iniciativa, a humanidade na crença suméria recebeu os presentes que os elevaram de uma existência simples para uma vida civilizada complexa. Inanna também é uma deusa do amor e fertilidade, e aqui seu poder transformador e astúcia beneficiam a humanidade. Notavelmente ausente nesta história está qualquer figura de serpente — a sabedoria em si é guardada por um deus (Enki), mas então livremente, se astutamente, tomada por uma deusa.
Enkidu, Shamhat e a Domesticação do Selvagem (Mesopotâmia, Épico de Gilgamesh)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Placa votiva erótica de terracota datada do Período Babilônico Antigo (c. 1830 a.C. — c. 1531). Representações desse tipo foram uma vez interpretadas como evidência de um ritual de “casamento sagrado” no qual o rei assumiria o papel de Dumuzid e se envolveria em relações sexuais com a sacerdotisa de Inanna.
Outra história mesopotâmica, parte do Épico de Gilgamesh (cerca de 2000 a.C.), ilustra o surgimento da autoconsciência humana e civilização através do homem selvagem Enkidu. Enkidu foi criado pelos deuses a partir do barro como um ser primitivo e peludo que vivia entre os animais, sem conhecer os modos humanos. Para civilizá-lo, o sábio rei Gilgamesh enviou Shamhat, uma sacerdotisa do templo ou harimtu (frequentemente traduzida como prostituta sagrada). Shamhat incorpora o poder da sexualidade feminina e sabedoria nutridora. Ela encontra Enkidu em um bebedouro e o seduz por seis dias e sete noites, um encontro que transforma Enkidu profundamente【?†L??-L??】. Após essa união, Enkidu descobre que os animais não mais o aceitam; ele perdeu sua inocência selvagem. Mas em troca, “sua mente havia despertado” e “ele havia se tornado mais sábio” (como comumente descrito nas traduções do épico). Shamhat então ensina Enkidu a comer pão e beber cerveja – os alimentos básicos da dieta humana – e o veste【?†L??-L??】. Ela o leva à cidade de Uruk para encontrar Gilgamesh, assim introduzindo Enkidu na sociedade humana【?†L??-L??】.
Uma vez em Uruk, Enkidu se torna amigo e igual de Gilgamesh. Juntos, eles embarcam em aventuras, mas a transformação de Enkidu vem com um preço: ele se torna totalmente mortal e eventualmente adoece e morre, deixando Gilgamesh para ponderar sobre a fragilidade da vida humana. Em um epílogo deste épico, Gilgamesh obtém uma planta espinhosa que pode rejuvenescer os velhos – um segredo de juventude renovada – apenas para ter uma serpente roubando-a enquanto ele se banha, levando embora a chance da humanidade de recuperar a juventude【?†L??-L??】. A serpente troca de pele ao partir, um sinal de sua própria renovação, enquanto Gilgamesh é deixado para aceitar que imortalidade e juventude eterna estão perdidas para o homem【?†L??-L??】.
Nesta narrativa mesopotâmica, uma mulher (Shamhat) é a catalisadora para o salto de Enkidu do instinto bruto para a consciência e cultura humanas – um papel explicitamente positivo para a influência feminina. A serpente aqui aparece como uma ladra de uma planta que renova a vida, ecoando um motivo recorrente: as serpentes frequentemente simbolizam a natureza cíclica da vida ou a astúcia que separa os humanos da imortalidade. A história de Enkidu, combinada com a perda de Gilgamesh, aborda de forma pungente a condição humana: ganhar entendimento e civilização muitas vezes significa perder alguma inocência e enfrentar a mortalidade.
Ísis e o Nome Secreto de Rá (Egito Antigo)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Ísis está segurando uma serpente erguida em cada mão; as serpentes usam discos em suas cabeças e suas caudas se enrolam em seus braços. A vestimenta da deusa é longa e plissada com um nó na frente. Sua coroa, com uraeus, chifres, penas, um disco e serpentes, está no topo de sua peruca e touca de abutre.
Na mitologia egípcia, a deusa Ísis é uma mestra da magia e sabedoria que desempenha um papel crucial na civilização do Egito. Segundo uma famosa história, Ísis buscou ganhar poder supremo para proteger seu povo e sua família aprendendo o nome verdadeiro secreto de Rá, o deus do sol que governava o cosmos. Ísis já sabia que os nomes tinham poder na crença egípcia. Para alcançar seu objetivo, a deusa astuta criou uma serpente do pó da terra misturado com a saliva de Rá, e colocou essa cobra mágica no caminho de Rá. A mordida da serpente envenenou Rá, causando-lhe grande agonia. Nenhum outro deus podia curá-lo, então Ísis ofereceu-se para curar Rá sob uma condição: que ele revelasse seu nome verdadeiro oculto para ela. Desesperado, Rá concordou e sussurrou seu nome potente para Ísis. Armada com esse conhecimento, Ísis pronunciou o nome em seu feitiço de cura, limpando o veneno de Rá.
Ao obter o nome verdadeiro de Rá, Ísis ganhou poder igual ao do deus sol e assim permitiu que seu marido (e irmão) Osíris se tornasse o primeiro Faraó divino do Egito. Sob o governo justo de Osíris, ensinado e assistido por Ísis, a civilização egípcia floresceu. Os mitos dizem que Osíris ensinou aos humanos a agricultura, a fabricação de pão e vinho, e leis, enquanto Ísis ensinou às mulheres habilidades domésticas como moer grãos, tecer e artes de cura. O reinado de Osíris e Ísis foi uma era dourada de paz e abundância. Mesmo após Osíris ser assassinado pelo trapaceiro Set, a sabedoria e habilidade mágica de Ísis (agora reforçada pelo segredo de Rá) permitiram que ela ressuscitasse Osíris tempo suficiente para conceber seu filho Hórus, que eventualmente vingaria seu pai e governaria.
Esta história egípcia retrata uma mulher, Ísis, como portadora de conhecimento e civilização, usando sua inteligência para desbloquear segredos divinos em benefício do mundo. Uma serpente é seu instrumento – aqui simbolizando tanto perigo quanto sabedoria. Ao contrário de alguns mitos, a cobra na história de Ísis é uma ferramenta da deusa em vez de um trapaceiro independente; no entanto, representa o aspecto caótico ou perigoso da sabedoria que deve ser dominado. O resultado é profundamente civilizador: através de Ísis e Osíris, a humanidade aprende agricultura e ordem social, reforçando que os deuses (e especialmente as deusas) forneceram o plano para a sociedade egípcia.
Adão e Eva e o Fruto Proibido (Hebraico/Tradição Abraâmica)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]“Adão e Eva” Franz Von Stuck, 1920
O relato hebraico do Gênesis (compartilhado com as tradições cristã e islâmica) apresenta uma história de criação onde o surgimento da consciência moral humana está no centro. Deus cria o primeiro homem (Adão) e depois a primeira mulher (Eva) no idílico Jardim do Éden. Eles vivem em harmonia inocente com a natureza, mas recebem um único comando: não comer do Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Uma serpente – “mais astuta que qualquer outro animal selvagem” – se aproxima de Eva e a convence de que comer o fruto proibido não levará à morte como avisado, mas abrirá seus olhos, tornando-a e a Adão “como Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gênesis 3:5). Eva sucumbe à tentação e dá uma mordida no fruto, e dá um pouco a Adão, que também come.
Imediatamente, o mundo muda para o casal: “De repente, seus olhos foram abertos para uma realidade antes desconhecida. Pela primeira vez, eles sentiram sua vulnerabilidade”. Naquele momento de autoconsciência despertada, Adão e Eva percebem que estão nus e sentem vergonha, apressando-se em se cobrir com folhas de figueira. Este ato simboliza o amanhecer da consciência e autoconsciência humanas – um despertar para a moralidade, livre arbítrio e também culpa. Quando Deus descobre sua desobediência, Adão e Eva são expulsos do Éden para o mundo hostil. Eles agora devem labutar por comida e sofrer a mortalidade. Deus observa que os humanos de fato “se tornaram como um de nós, conhecendo o bem e o mal”【?†L??-L??】, mas como consequência, ele os impede de acessar a Árvore da Vida, para que não comam dela e vivam para sempre. Um querubim com uma espada flamejante é colocado para guardar o caminho de volta ao Jardim (Gênesis 3:22-24).
Neste mito fundamental, uma mulher (Eva) é a primeira a agarrar o fruto do conhecimento, efetivamente se tornando uma catalisadora para a autoconsciência humana e a complicada vida moral que os humanos agora levam. A serpente é a instigadora – um símbolo duplo de sabedoria e engano, frequentemente mais tarde interpretada como uma forma de trapaceiro ou até mesmo Satanás. A humanidade ganha conhecimento e um senso de bem e mal, mas ao custo da inocência e imortalidade. Em termos teológicos, esta “queda” explica por que a vida humana é marcada por trabalho, dor e morte, mas também por que possuímos a capacidade de entender e escolher – um presente verdadeiramente de duas faces.
A história do Éden liga explicitamente conhecimento com perda de inocência. Ela coloca uma mulher no papel de portadora de conhecimento (embora a tradição posterior frequentemente a culpe pela queda, a narrativa em si simplesmente descreve suas ações resultando em maior consciência). O papel da serpente cimenta a associação do réptil no pensamento ocidental com iluminação astuta e perigo. Este mito aborda de forma pungente questões existenciais: Por que sabemos o certo do errado? Por que sofremos e eventualmente morremos? A resposta dada é que tal é o preço do conhecimento moral – uma visão muito direta sobre o surgimento da autoconsciência humana e suas consequências.
Mashya e Mashyana: A Tentação do Primeiro Casal Mortal (Persa, Zoroastrismo)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Al-athar al baqiya (Vestígio do Passado) por Al-Biruni (MS 161): Ahriman Induzindo Mashya e Mashyana a Comer o Fruto
Na antiga história de criação persa (iraniana) zoroastriana, o primeiro homem e mulher são Mashya e Mashyana. Eles surgem após uma série de eventos primordiais: primeiro, o sábio Senhor Ahura Mazda criou um mundo espiritual perfeito e um homem primordial chamado Gayomart (ou Keyumars). O espírito maligno Angra Mainyu (Ahriman) atacou e matou esse primeiro ser. Da semente moribunda de Gayomart, uma planta semelhante a um ruibarbo cresceu, e após 40 anos ela se dividiu para revelar Mashya e Mashyana. Ao nascer, este casal humano era inocente, e por um tempo viveram em harmonia com a criação, sustentados por água e plantas, e instintivamente louvando Ahura Mazda.
No entanto, o maligno Ahriman não havia terminado de corromper a criação. Ele se aproximou do casal com mentiras e tentações. Em algumas versões do conto, Ahriman lhes dá leite de cabra e mais tarde carne para comer – a primeira vez que consomem substâncias animais – o que enfraquece sua natureza pura. Com o tempo, eles esquecem de oferecer louvor a Ahura Mazda e até declaram que o espírito maligno deve ser o criador do mundo【?†L??-L??】. Por essas decepções, Mashya e Mashyana caem de seu estado inicial de graça. Como resultado, eles perdem a imortalidade ou bem-aventurança que poderia ter sido seu destino. Eles se tornam totalmente mortais e sujeitos ao sofrimento. Por 50 anos, eles são incapazes de ter filhos, enquanto a influência do mal persiste. (Uma versão angustiante até diz que em seu estado corrompido, eles canibalizaram seu primeiro filho sem perceber, ilustrando a profundidade da falibilidade humana quando cortados da orientação divina.) Eventualmente, eles se arrependem e voltam para a luz, e depois disso geram os primeiros filhos humanos, que se espalham para povoar a Terra.
Neste mito zoroastriano, homem e mulher são co-criadores da raça humana, compartilhando igualmente as consequências de suas escolhas. A trapaça de Ahriman se assemelha à serpente no Éden – o mal se manifesta como um enganador (embora não em forma de serpente aqui) que distorce a percepção dos humanos. Mashyana (a mulher) não é especialmente culpada; tanto ela quanto Mashya são levados ao erro juntos. Sua história fornece uma origem para a condição humana de bem e mal misturados. Os humanos são criados bons por um deus sábio, mas através da tentação, tornam-se suscetíveis à fome, pecado e morte. No entanto, há esperança: rejeitando a falsidade e voltando-se para o criador, eles cumprem seu propósito de povoar e civilizar o mundo. Isso se encaixa na visão zoroastriana da vida como uma luta moral entre verdade e mentiras, com o livre arbítrio humano no centro.
Esta história persa contribui com o tema de uma queda primeva e a perda de um estado ideal original, muito semelhante ao Éden, mas enquadrada na teologia dualista zoroastriana. Embora não haja uma serpente literal, a força do caos (Ahriman) desempenha o papel de corruptor. Mulher e homem são retratados como parceiros, e a ênfase está em como o falso conhecimento ou ignorância pode perverter a natureza humana. O mito aborda por que os humanos devem trabalhar e lutar (tendo perdido uma facilidade inicial) e sublinha o papel da escolha em aderir ao bem (ordem) ou ao mal (caos).
Prometeu e Pandora: Fogo e a Caixa de Pandora (Grego)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]As Ciências que Iluminam o Espírito Humano, atribuído a Marco Angelo del Moro, 1557. Note as serpentes e a reimaginação de Pandora como uma exploradora destemida, forçando-se a ver.
Os gregos contavam que no início, o Titã Prometeu moldou os primeiros humanos a partir do barro. Diferente de um criador onipotente, Prometeu era um artesão desafiador que amava sua criação. Na mitologia grega (como relatado por Hesíodo), os humanos originalmente viviam de forma primitiva, sem fogo ou tecnologia, até que Prometeu teve pena deles. Ele roubou o fogo dos deuses – escondendo uma brasa brilhante em um caule de funcho – e presenteou este fogo à humanidade. Com o fogo veio luz, calor, a capacidade de cozinhar alimentos, trabalhar metal e forjar a civilização. Este ousado ato de iluminação fez os humanos prosperarem, mas enfureceu Zeus, o rei dos deuses, que queria manter os mortais fracos e dependentes.
Como punição, Zeus elaborou um plano duplo. Primeiro, ele acorrentou Prometeu a uma rocha no Monte Cáucaso, onde uma águia (símbolo de Zeus) bicaría seu fígado todos os dias, apenas para ele crescer novamente e ser comido novamente no dia seguinte – um tormento eterno para o Titã que trouxe conhecimento aos humanos. Segundo, Zeus procurou punir a humanidade por receber o presente roubado. Ele ordenou a criação de Pandora, a primeira mulher, que foi moldada por Hefesto e dotada de beleza e talentos pelos deuses. Seu nome significando “toda-dotada”, Pandora foi apresentada a Epimeteu (o irmão menos cauteloso de Prometeu) junto com um jarro selado (ou caixa) como presente de casamento. Apesar dos avisos de Prometeu, Epimeteu a aceitou. Pandora, por curiosidade, eventualmente abriu o jarro proibido, liberando sem saber todas as formas de dificuldades sobre a humanidade. Do jarro saíram doenças, tristezas, vícios, trabalho e todos os males que afligem a condição humana. Quando ela conseguiu fechar a tampa, a única coisa que restou dentro foi a Esperança, que então também escapou para confortar a humanidade em meio aos seus problemas.
Neste mito, Prometeu é uma figura masculina que, no entanto, desempenha o papel familiar de portador de conhecimento ou herói cultural, semelhante a um trapaceiro que eleva a humanidade. Pandora, uma mulher, é retratada como uma agente involuntária na liberação do sofrimento. No entanto, sua história é complexa: a abertura do jarro também garante que a esperança faça parte da experiência humana. Juntas, as histórias de Prometeu e Pandora explicam por que os humanos possuem **habilidades divinas (fogo, artesanato, intelecto) mas também enfrentam lutas, dores e mortalidade. Escritores gregos frequentemente interpretavam isso como o preço do progresso — a vontade de Zeus de que nada venha aos humanos sem custo.
A saga de criação grega destaca a natureza de duas faces do conhecimento e da civilização. O fogo é explicitamente um símbolo de techne (artesanato, tecnologia) e luz intelectual. Uma mulher (Pandora) é feita o veículo do sofrimento liberado, um tema que foi criticado por muitos estudiosos como refletindo a ambivalência grega antiga sobre a agência feminina. No entanto, o jarro de Pandora pode ser visto como uma transição de uma existência despreocupada mas ignorante para uma de consciência e esperança; é análogo ao fruto de Eva de algumas maneiras (uma ação que não pode ser desfeita, mudando a condição humana). Notavelmente, enquanto o mito grego não apresenta uma serpente nesta história particular, ele personifica punição divina e trapaça através das maquinações de Zeus e o simbolismo da águia devoradora.
O Sacrifício de Odin e o Dom da Sabedoria (Nórdico, Norte da Europa)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Odin pendurado na árvore do mundo. A cena é tão semelhante à crucificação de Cristo que muitos argumentam que deve ser derivada. Eu argumento que ambos descendem de uma tradição muito mais antiga.
Na mitologia nórdica, a criação dos primeiros humanos e a aquisição de sabedoria são dois episódios ligados, mas distintos. Os primeiros humanos, Ask e Embla (masculino e feminino), foram criados após os deuses formarem o mundo. De acordo com a Edda em Prosa, Odin e seus irmãos (Vili e Vé) encontraram dois troncos de madeira flutuante na nova costa e os moldaram em um homem e uma mulher. Esses proto-humanos tinham corpos, mas careciam das qualidades da vida. Os três deuses deram cada um um presente: Odin soprou neles o sopro da vida e espírito, Vili deu-lhes entendimento (mente) e vontade, e Vé deu-lhes **sentidos e forma exterior (fala, visão, audição e uma aparência agradável). Assim, Ask (“Freixo”, o homem) e Embla (“Olmo”, a mulher) despertaram como os primeiros verdadeiros humanos, dotados de alma, inteligência e percepção sensorial. Eles se tornaram os progenitores da humanidade. Neste mito, vemos um presente tripartido que equivale à consciência: espírito, mente e sentido – efetivamente a explicação nórdica para o que torna os humanos vivos e conscientes.
O próprio Odin, o chefe dos deuses Aesir, é central em outro mito sobre a busca pelo conhecimento. Odin é conhecido como o Pai de Todos e um buscador incansável de sabedoria, até disposto a sacrificar-se a si mesmo para alcançá-la. Em um episódio famoso, Odin pendurou-se por nove noites na Árvore do Mundo (Yggdrasil), perfurado por sua própria lança, sem comida ou bebida, em um ato xamânico de sacrifício. Ao final deste sofrimento, ele percebeu o segredo das runas, símbolos mágicos que também são um sistema de escrita【?†L??-L??】. Ele agarrou as runas, gritando ao agarrar seu poder. Por este sacrifício, Odin trouxe o conhecimento das runas (escrita, feitiços mágicos) para os deuses e eventualmente para os humanos. Em outra história, Odin deu um de seus olhos no poço de Mímir em troca de um gole de suas águas de sabedoria, trocando a visão física por visão interior e entendimento【?†L??-L??】.
Mulheres na tradição de criação nórdica não são destacadas como criadoras (Embla é material passivo na história de Ask e Embla). No entanto, a cosmologia nórdica e mitos subsequentes dão papéis importantes a figuras femininas em conhecimento e destino: as três Nornas, por exemplo, são entidades femininas que esculpem as runas do destino para cada criança, incluindo humanos e até deuses. Além disso, a busca de Odin por sabedoria leva-o a consultar uma profetisa sábia no submundo e a aprender seidr (feitiçaria) possivelmente ensinada pela deusa Freyja. Portanto, a sabedoria feminina está presente, embora de forma mais sutil.
A perspectiva nórdica sobre a ascensão da consciência humana é direta no conto de Ask e Embla: dons divinos concedem diretamente vida e consciência. O mito pessoal de Odin enfatiza que a sabedoria deve ser conquistada através do sacrifício e do sofrimento. Não há uma serpente tentando a humanidade aqui; em vez disso, a mais próxima é a serpente Nidhogg roendo as raízes de Yggdrasil – uma força destrutiva em vez de um iluminador. Ainda assim, a história de Odin e a imagem da árvore evocam motivos de busca pelo conhecimento do destino e dos mistérios da vida, semelhante às buscas de outras culturas por sabedoria proibida. No mito nórdico, o preço do conhecimento é alto, mas é perseguido como um objetivo nobre. A condição humana é, portanto, definida por ter recebido consciência dos deuses, e os maiores líderes (como Odin) são aqueles que continuam a buscar maior compreensão, mesmo a um grande custo.
O Eu Torna-se Dois: Um Hino dos Upanishads (Índia Antiga)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] Manuscrito iluminado jainista do século XIII via jainpedia.org
O Brihadaranyaka Upanishad (datado do primeiro milênio a.C. na Índia) oferece um mito de criação filosófico focado no surgimento da dualidade e da autoconsciência. Em uma passagem famosa, o mundo começa como um Eu (Atman ou Brahman) singular e infinito que existia sozinho. Este ser solitário percebeu, em um momento primordial, “Eu sou,” que é descrito como o amanhecer da autoconsciência. No entanto, estando sozinho, o Eu sentiu medo e incompletude – não estava feliz por si só. Para aliviar a solidão, o Eu dividiu-se em dois, tornando-se um macho e uma fêmea em abraço. “Ele tornou-se tão grande quanto um homem e uma mulher em abraço próximo; então ele dividiu seu corpo em duas partes”, diz o texto. Deste primeiro casal divino, ocorreu a união e todas as criaturas nasceram, “até as formigas”, como o Upanishad nota humoristicamente. A mulher, chamada Shatarupa ou Ushas em algumas recontagens posteriores (e simplesmente referida como “sua esposa” no texto), inicialmente fugiu de seu contraparte masculino porque, nesta nova existência, eles se viam como seres separados e ela sentiu alguma vergonha ou tabu. O macho assumiu várias formas de animais para continuar a criação com ela enquanto ela se transformava em animais fêmeas correspondentes, gerando todas as espécies. Eventualmente, eles retornaram à forma humana e produziram a primeira descendência humana.
Neste mito sutil, a mulher é literalmente metade do Eu primevo, não um pensamento secundário. O surgimento da mulher e do homem de uma unidade original é a maneira upanishádica de explicar a unidade fundamental de todo ser por trás da aparente dualidade de macho e fêmea. Também liga a origem da vida humana à origem do desejo e do relacionamento – “ele não estava nada feliz [estando sozinho]; então ele desejou uma companheira”. Isso introduz a ideia de que o relacionamento (entre o eu e o outro) é a base da criação e que o anseio por completude impulsiona a evolução cósmica.
Os Upanishads não mencionam uma serpente ou um ato proibido nesta criação. Não há sentido de uma “queda”; em vez disso, a ênfase está na autorrealização e na geração de complexidade a partir da unidade. No entanto, um verso posterior implica uma perda sutil: uma vez que o Eu se dividiu em dois, cada metade começou a se perceber como um mortal separado, esquecendo sua natureza original ilimitada, o que introduz avidya (ignorância) – o não-saber fundamental de nosso verdadeiro Eu que, na filosofia indiana, é a raiz da condição humana. A tarefa da vida então se torna redescobrir essa unidade.
Este mito filosófico indiano destaca-se por seu foco abstrato e interior. Ele enquadra a origem da condição humana como uma transformação metafísica – o Um tornando-se Dois – e coloca consciência e desejo no centro da criação. O princípio feminino é coetâneo ao masculino, incorporando o primeiro conhecimento manifesto de que “Eu sou dois”. Embora nenhuma serpente ou trapaceiro apareça, pode-se dizer que Māyā (ilusão) desempenha um papel quando as metades esquecem sua unidade. O resultado é que os humanos, nascidos em um mundo de dualidade (macho/fêmea, eu/outro), devem navegar pelo desejo, medo e a busca pela completude – temas-chave no pensamento hindu sobre por que buscamos conhecimento e libertação.
A Queda Gradual da Pureza: O Aggañña Sutta (Tradição Budista)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] O templo Ta Phrom em Angkor Thom, Camboja
Em um relato único do Cânone Pali Budista, o Aggañña Sutta, encontramos uma história de “criação” não-teísta que explica como a sociedade humana e seus males surgiram. Em vez de atribuir a criação a um deus ou deuses, esta história descreve uma evolução ou involução gradual de seres pré-humanos para os humanos de hoje, focando na origem da ordem social, trabalho e declínio moral. No início, diz o texto, os seres sencientes existiam como entidades etéreas e luminosas flutuando acima da Terra. Eles não tinham gênero, não sentiam necessidade e viviam em uma espécie de luz eterna e bem-aventurada. Com o tempo, a Terra abaixo formou uma substância cremosa rica (como manteiga ou espuma na água). Por curiosidade e ganância, um dos seres provou essa substância terrena, achou-a agradável, e outros seguiram. À medida que comiam a riqueza da Terra, seus corpos sutis e luminosos tornaram-se mais grosseiros e pesados, e eles perderam a capacidade de voar. O nutriente também causou distinções na aparência – alguns tornaram-se mais bonitos, outros menos. Surgiram orgulho e inveja. À medida que a terra comestível se esgotava, novos tipos de alimentos apareceram (fungos, depois arroz), e os seres continuaram a consumi-los. Cada novo alimento os tornava mais materiais e dependentes. Eventualmente, seus corpos tornaram-se totalmente físicos, e distinções sexuais emergiram, masculino e feminino, levando à atração. Quando esses agora-humanos primeiro se acasalaram, outros, ainda acostumados a uma pureza anterior, os envergonharam pelo ato. Mas logo tal reprodução tornou-se a norma【?†L??-L??】.
À medida que a reprodução aumentava, as pessoas começaram a se organizar para gerenciar seus campos de arroz. Inicialmente, o arroz crescia livre e abundantemente, sem necessidade de trabalho. Mas quando alguns indivíduos começaram a acumular arroz para si mesmos, surgiu a escassez. Para lidar com o roubo e a ganância, a comunidade concordou em escolher um líder – o primeiro rei (chamado Mahāsammata, “o grande escolhido”) – cujo trabalho era manter a ordem e punir os malfeitores. Isso é apresentado como a origem do governo e do contrato social. Com o tempo, ocorreu uma diferenciação adicional: alguns dedicaram-se à prática espiritual (tornando-se ascetas ou brâmanes), outros a várias profissões. Assim, o sistema de castas e diferentes profissões surgiram, não por decreto divino, mas por escolhas humanas e declínio natural.
Notavelmente, nenhuma mulher ou homem individual é responsável por esta “queda” – em vez disso, é uma saga coletiva de toda uma raça proto-humana. A primeira instância de imoralidade é literalmente um gosto ganancioso, reminiscente da mordida de Eva ou da curiosidade de Pandora, mas aqui não é proibido por qualquer autoridade externa – simplesmente tem consequências naturais. Uma serpente não aparece; em vez disso, as tentações vêm de dentro dos próprios seres (fome, curiosidade, luxúria). A presença de mulheres entra como parte do desenvolvimento natural do sexo e da família; mulheres (e homens) então participam do surgimento da sociedade. Esta narrativa budista é menos sobre culpa e mais sobre diagnosticar a condição humana: por que temos sofrimento, hierarquias sociais e necessidade de governança. Atribui isso não a um castigo divino, mas a uma erosão gradual de uma simplicidade original devido ao desejo (um dos conceitos centrais do budismo).
A narrativa do Aggañña Sutta serve a um propósito didático: reforça os ensinamentos budistas de que desejo e ganância levam ao sofrimento e à degeneração de uma era dourada. É um mito de criação sem criador, enfatizando causa e efeito sobre a vontade divina. Em termos de nossos temas: a história destaca como os humanos adquiriram vários tipos de conhecimento (agricultura, lei, papéis sociais), mas vê isso como uma bênção mista que se tornou necessária apenas à medida que a virtude declinou. Uma mulher não desempenha um papel singular de “Eva”; em vez disso, a fraqueza humana coletiva é o inimigo. E enquanto nenhuma cobra sussurra no ouvido de ninguém, o conceito de tentação é internalizado. O resultado final é uma sociedade humana totalmente formada – mas com propriedade, trabalho e falhas morais, explicando a luta existencial que o budismo visa remediar sugerindo um retorno (através da iluminação) àquela luminosidade e liberdade originais.【?†L??-L??】
Nüwa Cria a Humanidade a partir do Barro (Mitologia Chinesa)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]
Na mitologia chinesa, uma das figuras de criação mais amadas é Nüwa (女娲), uma deusa-mãe frequentemente retratada com o corpo superior de uma mulher e o corpo inferior de uma serpente ou dragão. Após a formação dos céus e da terra (em algumas histórias pelo gigante cósmico Pangu), o mundo ainda carecia de criaturas para preenchê-lo. Solitária no novo mundo, Nüwa decidiu modelar seres à sua própria forma. Ela começou a moldar argila amarela da margem do rio em figuras de homens e mulheres. Um por um, ela os esculpiu com cuidado e, com poder divino, deu-lhes vida. Esses primeiros humanos, feitos à mão, eram inteligentes e gratos. Mas fazer cada pessoa individualmente era um trabalho lento. Para acelerar o processo, Nüwa mergulhou uma corda na argila e a balançou, espirrando gotas de lama por toda parte. Cada gota que caía tornava-se um humano também. Em algumas interpretações, as pessoas feitas à mão tornaram-se a nobreza (mais refinadas) e as respingadas tornaram-se o povo comum – uma leitura social posterior no mito.
Uma vez que os humanos existiam, Nüwa assumiu o papel de sua protetora e professora. Em uma versão, vendo que os humanos eram ignorantes sobre como continuar sua espécie ou se organizar, ela inventou o casamento e os ensinou a procriar e formar laços familiares. Ela emparelhou homens e mulheres e introduziu as normas dos relacionamentos humanos. Assim, não apenas criou corpos humanos, mas também moldou os primórdios da sociedade humana instituindo o casamento e a estrutura familiar. Nüwa também é famosa por salvar a humanidade mais tarde: quando os pilares que sustentavam o céu foram quebrados, ela reparou o céu consertando-o com pedras de cinco cores e restabelecendo a ordem cósmica.
Na história de Nüwa, uma mulher (uma deusa) é a única criadora da humanidade, e notavelmente ela tem um aspecto serpentino – combinando o simbolismo da serpente/dragão (um ser sábio e antigo na cultura chinesa) com a criatividade nutridora de uma mãe. A parte serpente de Nüwa não é maligna; em vez disso, significa seu poder antigo, elemental e possivelmente a flexibilidade e continuidade da vida. Dragões chineses são símbolos de vitalidade cósmica e frequentemente associados à água e fertilidade, o que se encaixa no papel de Nüwa em moldar a vida. Não há queda ou trapaceiro nesta história; os humanos não desobedecem a Nüwa. Em vez disso, este mito enfatiza a ordem filial e social como algo concedido por uma figura materna.
A cultura chinesa venera Nüwa como a heroína civilizadora prototípica: ela cria pessoas e depois garante que possam sustentar sua existência através da sociedade e do casamento. O mito destaca temas de ordem e harmonia – quando as coisas desmoronam (como o céu desabando), é Nüwa quem conserta. A presença da imagem da serpente/dragão com Nüwa destaca uma diferença chave em relação ao simbolismo da serpente ocidental: aqui a cauda de dragão indica sabedoria divina e poder criativo em vez de tentação. A história de Nüwa aborda a condição humana explicando por que formamos famílias e laços sociais – estes não são arbitrários, mas ensinados pela Grande Mãe, garantindo que a humanidade prospere e se multiplique.
Izanagi e Izanami: Criação, Morte e Equilíbrio (Shintō Japonês)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]
Na cosmologia Shintō do Japão, o casal divino Izanagi (Aquele-que-Convida) e Izanami (Aquela-que-Convida) são centrais para a criação do mundo e dos kami (espíritos/deuses). De pé na Ponte Flutuante do Céu, eles agitaram o mar primordial com uma lança adornada com joias, e gotas caindo da lança formaram a primeira ilha. Descendo para esta nova terra, o casal deu à luz as oito ilhas do Japão e inúmeras divindades da natureza. Sua união, no entanto, tomou um rumo trágico quando Izanami morreu ao dar à luz o deus do fogo. Devastado, Izanagi viajou para a terra dos mortos (Yomi) para recuperar sua amada. Ele a encontrou nas sombras e a princípio não pôde vê-la, mas ela lhe disse para não olhar para sua forma. Incapaz de resistir, Izanagi acendeu uma tocha e ficou horrorizado ao ver que o cadáver de Izanami estava em decomposição, cheio de vermes e criaturas repugnantes. Izanami, agora envergonhada e furiosa com sua traição, o perseguiu para fora de Yomi. Izanagi mal escapou e bloqueou a entrada com uma pedra, impedindo Izanami (agora uma deusa da morte) de retornar ao mundo dos vivos.
De trás da pedra, Izanami gritou que mataria 1.000 pessoas a cada dia em vingança por seu abandono. Izanagi respondeu desafiadoramente que 1.500 pessoas nasceriam a cada dia para contrariar sua maldição. Esta troca dramática estabeleceu um equilíbrio cósmico entre vida e morte: a morte seria para sempre parte da condição humana, mas a vida sempre continuaria a brotar novamente. Izanagi então realizou uma purificação ritual para se limpar da contaminação de Yomi. Ao fazer isso, deuses adicionais nasceram de suas vestes descartadas e partes do corpo lavadas – incluindo Amaterasu (deusa do sol) de seu olho e Susanoo (deus da tempestade) de seu nariz – povoando ainda mais o panteão.
O mito de Izanagi-Izanami não destaca uma mulher como portadora de conhecimento, mas Izanami é uma deusa criadora e então o primeiro ser a experimentar a morte, tornando-a a origem da mortalidade. Através de sua história, os humanos recebem uma explicação para por que devemos morrer (porque até mesmo uma deusa mãe morreu e foi separada dos vivos). Além disso, a resposta de Izanagi e a contínua procriação dos humanos se ligam ao porquê de nascimento e morte serem constantes. Não há serpente nesta narrativa, mas curiosamente, quando Izanagi viu a forma em decomposição de Izanami, o texto fala de deuses do trovão e uma grande serpente nascidos de sua decadência em Yomi (em algumas versões, oito deuses do trovão estavam agarrados a ela, um na ponta de seus seios, etc., e uma serpente gigante estava enrolada ao redor dela). Esta imagem mostra a morte como algo aterrorizante e caótico, associado à corrupção semelhante a uma serpente, mas esses detalhes são geralmente secundários.
O mito de criação japonês entrelaça a alegria da criação com a inevitabilidade da morte. Deidades femininas e masculinas trabalham em conjunto para engendrar o mundo, e quando a feminina é perdida, a ordem cósmica requer um compromisso. O voto de Izanami e a réplica de Izanagi formam uma resposta mitológica para uma das tristezas mais profundas da humanidade: a perda de entes queridos e o ciclo de mortalidade e natalidade. O papel das mulheres neste mito é profundo – Izanami é criadora e a primeira vítima da fatalidade, e mais tarde a temível Rainha dos Mortos. Se considerarmos o motivo da serpente, ele aparece indiretamente com a corrupção da morte, simbolizando o perigo oculto do ciclo da vida. O mito aborda o equilíbrio existencial em vez da transgressão moral: os seres humanos são filhos dos deuses, destinados a viver, procriar e morrer, como parte da ordem natural estabelecida pelo par divino.
Obatala e Oshun: Moldando a Humanidade (Iorubá, África Ocidental)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] Bosque Sagrado de Osun-Osogbo, Nigéria.
O povo iorubá da África Ocidental conta que, no início, Olorun (o Deus Supremo, associado ao céu) deu a Obatala a tarefa de criar a terra e seus primeiros habitantes. Obatala, uma divindade sábia e gentil, desceu em uma corrente dourada para as águas primordiais, carregando uma concha de caracol cheia de areia, uma galinha branca e uma noz de palma. Ele derramou a areia e deixou a galinha espalhá-la, criando a primeira terra seca. Neste pedaço de terra (Ile-Ife, a cidade sagrada), Obatala começou a moldar figuras de barro para povoar o mundo. No entanto, em um ponto ele ficou cansado e bebeu vinho de palma, ficando embriagado. Em seu estado de embriaguez, sua mão vacilou, e algumas das figuras que ele moldou eram menos que perfeitas – este mito iorubá assim atribui a origem das deficiências físicas ao lapso de Obatala (uma explicação compassiva que imbuí aqueles nascidos diferentes com uma conexão sagrada com o deus). Depois, Olorun soprou vida nas figuras, e elas se tornaram os primeiros humanos. Ao recobrar a sobriedade, Obatala prometeu nunca mais beber e tornou-se um protetor daqueles com deformidades.
Crucialmente, entre o panteão dos Orishas (espíritos divinos) que vieram ajudar a moldar o mundo, havia uma Orisha feminina, Oshun, que desempenhou um papel crucial. Oshun é a orisha das águas doces, beleza e amor. Em alguns relatos, Oshun foi a única divindade feminina enviada junto com 16 orishas masculinos para estabelecer o mundo. Os orishas masculinos, em seu orgulho, inicialmente ignoraram o conselho de Oshun. Eles tentaram criar a humanidade e governar o mundo sozinhos, mas tudo o que tentaram falhou. A terra estava estéril e os humanos que eles moldaram estavam sem rumo. Percebendo seu erro, os deuses masculinos finalmente se voltaram para Oshun. Oshun então concordou em ajudar, usando suas poderosas águas doces para reviver o projeto de criação. Foi apenas através da força nutritiva e vivificante de Oshun que a criação do mundo prosperou. A partir de então, Oshun garantiu que amor, fertilidade e harmonia fluíssem entre os humanos. Ela se tornou a mãe espiritual da humanidade, ensinando sobre intimidade, cura e comunidade.
Na cosmologia iorubá, as mulheres são centrais, com Oshun exemplificando como o princípio feminino é indispensável para a vida e a civilização. Algumas histórias dizem que Oshun também **deu à humanidade as primeiras ferramentas de adivinhação (conchas de cauri para a adivinhação Ifá) ou ensinou-lhes a importância da alegria e cooperação, sublinhando ainda mais seu papel como portadora de sabedoria e cultura. Embora não haja uma serpente no relato de criação de Obatala/Oshun especificamente, o tema dos ajudantes animais (a galinha) e o motivo do erro levando à imperfeição introduz a ideia de que mesmo na criação houve percalços que explicam a variedade humana.
A história de criação iorubá destaca um ato cooperativo de criação com um reconhecimento especial de que sem a sabedoria feminina (Oshun), a civilização falha. É uma declaração poderosa sobre a complementaridade de gênero no tecido da existência. Além disso, o zelo de Obatala e seu deslize com o vinho de palma fornecem um conto etiológico gentil sobre por que a desventura ou imperfeição existe – não como uma maldição, mas como parte da experiência de um criador divino, a ser cuidada com compaixão. A ausência de uma figura de serpente enganosa é notável; em vez de um trapaceiro causando problemas, a própria tolice de um deus e a necessidade de parceria impulsionam a trama. Isso enfatiza a responsabilidade pessoal e a necessidade de equilíbrio (masculino e feminino, sabedoria e ação) para adequadamente moldar o destino humano.
Mawu, Lisa e a Serpente Cósmica (Fon, África Ocidental)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] Dan-Aïdo Houèdo (Serpente Arco-Íris) pelo artista beninense, Cyprien Tokoudagba (século XX). Bonhams
Entre o povo Fon de Daomé (Benin), o criador supremo é frequentemente retratado como uma divindade dual: Mawu-Lisa, tipicamente visualizada como um par inseparável de gêmeos masculino-feminino (ou às vezes como um ser andrógino com aspectos duais). Em muitos relatos, Mawu é o aspecto feminino (associado à lua, noite, frescor, fertilidade) e Lisa é o aspecto masculino (o sol, dia, calor, força). Sua mãe é a primordial Nana Buluku, que criou o universo e então delegou sua organização a Mawu e Lisa. Um dos elementos mais vívidos do mito de criação Fon é o papel da grande serpente Aido-Hwedo. Esta serpente arco-íris foi criada para ajudar Mawu. Quando Mawu começou a organizar a terra, ela cavalgou nas costas de Aido-Hwedo para viajar pelo mundo e moldá-lo. A serpente se enrolou e torceu, ajudando a esculpir os vales e montanhas. Juntos, Mawu e a serpente encheram o mundo de vida e garantiram sua sustentabilidade.
À medida que Mawu moldava a terra, ela se preocupava que pudesse ser muito pesada para se sustentar. A seu comando, Aido-Hwedo deslizou por baixo da terra e mordeu sua própria cauda, circundando o mundo para sustentá-lo. A grande serpente agora reside no oceano cósmico, sustentando a terra em suas costas. Para manter Aido-Hwedo confortável (pois se ele se mover, a terra tremeria), Mawu criou os oceanos para ele habitar e alimentou-o com ferro para esfriar seu imenso corpo. O ziguezague do arco-íris no céu é dito ser Aido-Hwedo movendo-se ligeiramente, e terremotos são atribuídos ao seu movimento inquieto. Em algumas versões, quando a criação foi concluída, Mawu e Lisa se retiraram para os céus, deixando a terra nas costas da serpente e encarregando seus descendentes ou deuses menores dos detalhes de cuidar da vida.
Neste mito, Mawu é claramente uma força criativa central – uma figura materna e organizadora que é intimamente pareada com uma serpente. A serpente arco-íris Aido-Hwedo simboliza tanto ordem criativa quanto a linha tênue entre estabilidade e caos (se a serpente se mover muito, o desastre pode seguir). Não há uma figura semelhante a Eva ou um evento singular de aquisição de conhecimento na história Fon; em vez disso, a sabedoria é incorporada por Mawu e construída no design do mundo desde o início. Mawu é gentil e engenhosa, e Lisa traz qualidades complementares, embora ele seja menos proeminente em muitos relatos. Os humanos em algumas versões foram criados por Mawu-Lisa após a preparação da terra, mas os detalhes do surgimento humano não são tão elaborados quanto a infraestrutura cósmica. A humanidade às vezes é dita ter surgido dos filhos de Mawu e Lisa ou criada a partir de barro com a ajuda de deuses menores, mas sempre sob a orientação de Mawu.
A visão africana ocidental aqui enfatiza a parceria do feminino e masculino, e a harmonia do animal (serpente) e divino. Aido-Hwedo é um raro exemplo de uma serpente como um ajudante criativo puramente positivo, mostrando como os símbolos mudam em diferentes culturas: longe de tentar os humanos, esta serpente literalmente mantém o mundo unido. O mito transmite um senso de equilíbrio – quente e frio, sol e lua, feminino e masculino, terra e água – como intrínseco à criação. Para a condição humana, o mito Fon implica que o mundo foi cuidadosamente feito com intenção benigna, e que existimos sustentados pelo cuidado divino (e uma cobra!) abaixo de nós. Não se concentra em uma queda ou falha; se algo, a potencial catástrofe (terremotos, inundações) é mantida à distância pela previsão do Criador. É uma configuração mais otimista, embora na teologia de Daomé, espera-se que os humanos mostrem reverência e mantenham o equilíbrio para que as coisas não saiam do controle.
Quetzalcoatl e Cihuacoatl: Ossos, Sangue e o Nascimento dos Humanos (Asteca, Mesoamérica)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] Estátua de pedra de Cihuacōātl, mostrando-a emoldurada pela boca de uma serpente, segurando uma espiga de milho em sua mão esquerda.
O povo asteca (Mexica) do centro do México acreditava que o mundo havia passado por múltiplas criações (sóis) e destruições. No atual Quinto Sol, o herói-deus Quetzalcoatl – a Serpente Emplumada – é central na criação dos humanos. Após o quarto sol perecer, os deuses se reuniram em Teotihuacan para trazer um novo sol e lua e recriar a humanidade. Quetzalcoatl viajou para Mictlan, o submundo, para recuperar os preciosos ossos dos ancestrais que haviam sido destruídos. Ele conseguiu enganar o Senhor dos Mortos e reunir os ossos, mas durante sua fuga ele tropeçou, e os ossos se quebraram e espalharam. Ele carregou esses ossos fragmentados para o mundo acima. A deusa Cihuacōātl (cujo nome significa “Mulher Serpente”) então o ajudou a moer os ossos em uma refeição fina em uma tigela de pedra. Os outros deuses derramaram seu próprio sangue para umedecer essa refeição de ossos, e dessa mistura de ossos antigos e sangue divino, as primeiras pessoas da nossa era atual foram formadas.
Uma vez que os humanos foram animados, Quetzalcoatl e Cihuacoatl ensinaram-lhes o básico da vida. Em algumas narrativas, Quetzalcoatl (na forma de Ehécatl, o deus do vento) mais tarde roubou milho das formigas e deu à humanidade, com a ajuda de outra divindade serpente, para garantir que os humanos tivessem alimento adequado【?†L??-L??】. Cihuacoatl, às vezes chamada de Tonantzin (Nossa Mãe), permaneceu uma protetora das mulheres no parto e uma guia para os Mexica. No entanto, há também um lado mais sombrio: Cihuacoatl era frequentemente retratada como uma deusa temível que ocasionalmente lamenta por seus filhos perdidos, e ela estava associada a presságios de conquista (os espanhóis mais tarde a compararam ao seu conceito de Mulher Chorona). O conceito Nahua de dualismo significava que criação e destruição andavam de mãos dadas – Quetzalcoatl (luz, conhecimento) e seu irmão Tezcatlipoca (noite, feitiçaria) frequentemente trabalhavam em propósitos opostos, mas na criação dos humanos a misericórdia de Quetzalcoatl predominou.
Nesta história asteca, temos tanto uma proeminente divindade masculina (Quetzalcoatl) com um aspecto de serpente quanto uma divindade feminina (Cihuacoatl) que carrega o título de serpente. Eles colaboram para trazer a humanidade à vida. O uso de ossos (representando os mortos dos mundos anteriores) e sangue (sacrifício dos deuses) fala de uma noção profunda no pensamento mesoamericano: a vida é renovada através da morte e sacrifício de outros, até mesmo dos próprios deuses. Os humanos são literalmente feitos de seres anteriores e essência divina, razão pela qual o sacrifício de sangue era visto como necessário para sustentar o sol e a terra – um reembolso aos deuses que sangraram por nós.
A presença de serpentes é fortemente positiva aqui. O próprio nome de Quetzalcoatl o identifica com uma serpente (embora emplumada e voadora), simbolizando uma mistura harmoniosa de terra (serpente) e céu (pássaro) – matéria e espírito. Cihuacoatl, “Mulher Serpente”, carrega energia de serpente em sua identidade também. Nenhum deles é um tentador; ao contrário, eles são progenitores e benfeitores (embora o mito asteca em outros contextos possa retratar Quetzalcoatl como um transgressor de limites ou até mesmo um pecador penitente em diferentes episódios, essas são histórias separadas).
A criação asteca dos humanos destaca o sacrifício e a sabedoria. Quetzalcoatl deve usar sua inteligência e bravura na terra dos mortos, e os deuses devem derramar sangue para animar os ossos. Uma divindade mulher-serpente (Cihuacoatl) é instrumental na fabricação dos humanos, ligando a feminilidade ao processamento de matérias-primas (ela mói os ossos) e ao nascimento. A condição humana é retratada como endividada desde o início – nossa vida é um presente do sacrifício dos deuses, e assim os astecas se sentiam obrigados a devolver o sacrifício para que o sol não cessasse. Este mito aborda por que os humanos são mortais (feitos de restos mortos) mas divinos em origem (dado vida por sangue sagrado), e por que o derramamento ritual de sangue foi tecido no tecido das práticas da civilização deles.
As Mães do Milho e a Visão dos Mortais (Maya K’iche’, Mesoamérica)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Um mural de serpente com chifres na Baja Califórnia datando de 7,5 mil anos atrás. Aspectos dessa crença sobre ser engolido por uma grande serpente foram preservados por 7.000 anos em Quetzalcoatl. Esta é uma crença extremamente antiga. O que me interessa é que os iniciados são pintados em ocre vermelho-marrom ou preto antes de serem engolidos. Depois, como figuras duplas. Talvez uma representação de mente e matéria sendo unidas?
O épico Maya K’iche’ Popol Vuh contém um dos relatos mais perspicazes da criação, focando na natureza da compreensão humana. No Popol Vuh, os Criadores divinos (geralmente referidos como Coração do Céu e Coração da Terra, ou por nomes como Tepeu e Gucumatz, que significa Quetzalcoatl, a serpente emplumada) tentam criar seres que possam adorar e falar seus nomes. Suas primeiras tentativas – animais, depois homens de barro, depois manequins de madeira – falham em atender às expectativas: eles carecem de fala ou alma ou respeito. Finalmente, os deuses obtêm os ingredientes para os verdadeiros humanos. Os heróis gêmeos de um mito anterior garantem uma montanha de milho, e a avó divina Xmucane mói o milho amarelo e branco em massa. Com a massa de milho, junto com água, os deuses moldam os primeiros quatro humanos. Essas primeiras pessoas são adultos totalmente formados, e são surpreendentemente sábios. Na verdade, eles são sábios demais – “Esta humanidade podia ver longe e amplamente, até mesmo através das pedras e árvores, até além das montanhas; eles entendiam tudo”. Sua visão era tão clara que podiam perceber o mundo inteiro e até mesmo os deuses no céu.
Os deuses Criadores perceberam que esses humanos eram quase como deuses em conhecimento. Temendo que os humanos tivessem entendimento demais e pudessem não lembrar de seus criadores com a devida humildade, os deuses decidiram nublar sua visão. “Eles (os humanos) podiam ver em todos os lugares, e os deuses tiveram que limitar sua visão”, explica um resumo. Então Coração do Céu soprou névoa nos olhos dos humanos, embaçando sua visão “como quando você respira em um espelho”, diz o Popol Vuh. Agora as pessoas podiam ver apenas o que estava próximo, apenas como olhos mortais deveriam. Assim, o entendimento humano foi deliberadamente restringido – concedendo-nos conhecimento e percepção suficientes para sobreviver, mas não tanto que nos igualássemos aos deuses ou esquecêssemos nossa dependência deles.
Enquanto isso, o papel da avó Xmucane em moer o milho para a carne humana destaca a importância do milho. Os maias se chamavam de “Povo do Milho”, e de fato o Popol Vuh afirma que o milho é a própria substância dos corpos humanos. Xmucane e seu parceiro Xpiacoc (o avô) são às vezes referidos como “Mãe e Pai” ou “Avó do Sol, Avô da Luz”, e eles atuam como figuras de sabedoria anciã ajudando na criação. Um par de figuras humildes e idosas, com Xmucane como uma artesã e conselheira feminina, estão por trás da formação milagrosa da humanidade. Depois que os primeiros quatro homens são feitos e depois quatro mulheres como suas parceiras, a humanidade se multiplica. Mas logo eles enfrentam desafios e migrações, que o épico continua a narrar.
No Popol Vuh, uma serpente aparece cedo na criação como parte do par criador: Gucumatz é literalmente a “serpente emplumada”, e é ele (junto com Tepeu) que inicialmente fala o mundo à existência e eventualmente participa da criação dos humanos. Este aspecto de serpente é totalmente positivo – um sinal de sabedoria emplumada soberana que agita as águas da criação. É um contraste acentuado com a serpente bíblica: aqui a serpente está do lado dos criadores, não agindo contra eles.
O mito maia do Popol Vuh aborda a origem da inteligência humana e seus limites. Os humanos foram feitos para serem inteligentes – feitos do milho nutritivo, moldados por uma avó sábia – ainda assim os deuses impuseram um limite à nossa percepção. Isso introduz uma explicação distinta para a condição humana: temos uma centelha de percepção divina (já que éramos quase deuses), mas nossa visão e vida útil são truncadas para nos mantermos conscientes de poderes superiores. Uma mulher, Xmucane, desempenha um papel indispensável como a “Mãe do Milho” que dá aos humanos seus corpos, reforçando o tema da contribuição criativa feminina. E embora não haja queda da graça aqui, há um escurecimento deliberado da proeza humana, uma humildade embutida. A civilização (plantio, moagem de milho, linhagens familiares) é vista como um presente dos ancestrais/deuses, e o trabalho das pessoas é lembrar e honrar esse presente em vez de ultrapassar.
Manco Cápac e Mama Ocllo: Civilizando os Andes (Inca, Andes)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Mama Ocllo, pintura anônima a óleo sobre tela do Peru, cerca de 1840
Na tradição inca dos Andes (como registrado em crônicas pós-conquista, notavelmente pelo historiador mestiço Garcilaso de la Vega), as primeiras pessoas eram primitivas e incultas até que o deus Inti (o Sol) teve pena delas. Inti enviou seus dois amados filhos, um filho e uma filha nascidos do Sol e da Lua: Manco Cápac (o filho) e Mama Ocllo (a filha). Este par divino de irmãos emergiu das águas do Lago Titicaca (ou, em algumas versões, de cavernas na terra) e partiu em uma jornada para encontrar um lugar onde pudessem civilizar as pessoas. Eles carregavam um bastão dourado e foram instruídos que onde quer que ele afundasse no chão com facilidade, esse seria o local para fundar sua cidade. Eventualmente, o bastão afundou em Cuzco, que se tornou o umbigo do império inca.
Uma vez estabelecidos, Manco Cápac e Mama Ocllo começaram a ensinar os locais selvagens a viverem adequadamente. Manco Cápac ensinou os homens as artes da agricultura – como plantar e cultivar milho e outras culturas, como domesticar lhamas e como construir casas e canais de irrigação. Mama Ocllo, por sua vez, reuniu as mulheres e ensinou-lhes a tecer e fiar algodão e lã de lhama, como fazer roupas e as habilidades de cozinhar e gerenciar assuntos domésticos. Ela era uma professora paciente e foi reverenciada como uma figura materna. Sob sua orientação, as pessoas antes selvagens aprenderam a viver em vilas, vestir roupas decentes, cultivar campos e adorar o Sol. De fato, eles fundaram a civilização inca, com Manco Cápac frequentemente contado como o primeiro rei inca.
Mama Ocllo é lembrada como uma mulher sábia e benevolente que foi essencial para trazer conhecimento. Em um registro patriarcal, ela pode parecer ocupar o segundo lugar, mas os incas os viam como complementares – sem as contribuições de Mama Ocllo, metade da sociedade (as mulheres) ficaria sem educação. De fato, toda a nobreza inca traçava suas linhagens até Manco (linha masculina) ou Mama Ocllo (linha feminina) em várias panacas (clãs) nobres, mostrando sua importância igual nas linhagens de sangue. O par também são marido e mulher (comum em muitas mitologias de irmãos divinos), simbolizando a unidade do Sol (masculino) e da Lua (feminino) ou da Terra (feminino) trabalhando juntos.
Não há uma serpente ou dragão neste mito andino. Em vez disso, um símbolo animal importante é o condor ou falcão, frequentemente associado ao céu e às vezes com Manco Cápac. Alguns mitos andinos têm um casal diferente como primeiro casal (como na mitologia Colla, um casal masculino-feminino emergindo de Tiwanaku), mas eles enfatizam de forma semelhante aprender e construir a sociedade com a ajuda da instrução divina.
A história de Manco Cápac e Mama Ocllo é uma clara narrativa de civilização: a humanidade já existia, mas vivia em desordem até que uma mulher e um homem divinos transmitiram conhecimento e ordem. Aqui o papel da mulher é explicitamente educar em habilidades domésticas e artísticas, destacando o alto valor que a cultura andina atribuía aos têxteis (as tecelagens incas eram extremamente sofisticadas) e à economia doméstica. É um exemplo de como os papéis de gênero foram lançados em termos complementares: o homem ara e governa, a mulher tece e nutre, e juntos eles estabelecem um império. A condição humana neste mito não é de pecado ou queda, mas de ignorância anterior – uma escuridão dissipada pela luz dos filhos do Sol. Em vez de uma serpente tentando com conhecimento proibido, temos uma figura de professor benevolente distribuindo conhecimento benéfico, o que é um contraste notável com os motivos do Velho Mundo.
Mulher Mutante e o Presente dos Clãs (Navajo, América do Norte)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]Pintura de Areia Navajo
Na tradição Navajo (Diné), Mulher Mutante (Asdzą́ą́ Nádleehé) é uma figura central de criação e renovação. Ao contrário de uma figura “Eva” que causa uma queda, Mulher Mutante é uma benfeitora que cria o povo Navajo e seu modo de vida. Na gênese Navajo, após uma série de emergências de mundos inferiores, Mulher Mutante nasceu milagrosamente na superfície da Terra para o Primeiro Homem e a Primeira Mulher (ou encontrada por eles como um bebê). Ela cresceu rapidamente até a idade adulta e teve filhos gêmeos pelo Sol (Matador de Monstros e Nascido-para-Água, os Gêmeos Heróis que livraram o mundo de perigos). Uma vez que a terra foi tornada segura, Mulher Mutante se sentiu solitária e desejou pessoas próprias, já que as pessoas existentes eram aquelas que haviam emergido de baixo. Então, de pedaços de sua própria pele que ela esfregou de seu peito, costas e sob seus braços, ela criou homens e mulheres. Estes se tornaram os primeiros clãs Navajo. Em uma versão, ela fez quatro homens e quatro mulheres e os instruiu em tudo o que precisavam para prosperar. Ela criou milho e outras culturas para alimentá-los e deu-lhes cerimônias e canções.
Mulher Mutante então estabeleceu o sistema de clãs Navajo, significando que ela atribuiu a cada grupo um nome e identidade, garantindo que as pessoas se lembrassem dela como sua mãe e permanecessem conectadas através do parentesco. Por causa disso, a sociedade Navajo é matrilinear – a identidade do clã vem da mãe. Mulher Mutante também introduziu as cerimônias do Caminho da Bênção e ensinou as pessoas a viverem em hózhǫ́ (harmonia ou equilíbrio). Uma das cerimônias mais importantes, o Kinaaldá (uma cerimônia de puberdade para meninas), está diretamente ligada à própria maioridade de Mulher Mutante e é uma forma de os Navajo renovarem o mundo regenerando suas qualidades em cada geração.
As mulheres são profundamente honradas nesta narrativa: a própria criadora do povo é uma mulher, e ela transmite não apenas a vida, mas cultura, estrutura social e prática espiritual. A ideia de auto-criação (criando de seu próprio corpo sem dor) enfatiza a autonomia feminina e o poder criativo. Não há serpente tentadora ou elemento punitivo algum. Pelo contrário, o mito de emergência Navajo, do qual Mulher Mutante é um clímax, enquadra a condição humana como algo que melhorou ao longo do tempo – com cada mundo, os seres ganharam mais ordem e luz, culminando nos presentes de Mulher Mutante neste Mundo Cintilante (o mundo da superfície).
Embora as serpentes não desempenhem um papel na criação das pessoas, os mitos Navajo apresentam cobras e monstros sobrenaturais que os Gêmeos Heróis tiveram que superar (como o monstro aquático Tééholtsódii). Essas serpentes representam as forças caóticas da natureza que precisavam ser subjugadas para que os humanos pudessem viver com segurança. Mas graças a Mulher Mutante e seus filhos, essas são tratadas, permitindo que as pessoas se concentrem em viver uma vida equilibrada.
O mito de Mulher Mutante destaca a nutrição, continuidade e equilíbrio. Uma mulher é a progenitora do povo, alinhando a ênfase cultural Navajo na descendência matrilinear e no sagrado feminino. O conhecimento aqui não é proibido – é generosamente dado. Vemos um tema de gênese interna (criando de dentro de si mesma) que inverte a ideia de buscar algo externamente (como uma fruta ou conhecimento de outro lugar). A condição humana, do ponto de vista Navajo, é definida por ser filhos de Mulher Mutante, encarregados de manter a harmonia e honrar o parentesco que ela estabeleceu. A ausência de uma “queda” ou trapaceiro nesta história, e a presença de monstros vencidos, sugere que as dificuldades humanas (doença, guerra, etc.) não são nossa origem definidora; em vez disso, nossa origem é santa e boa, e as dificuldades são intrusões posteriores a serem tratadas através de cerimônias e coragem. Nesta visão de mundo, mulheres e serpentes estão em lados opostos – a mulher como doadora de vida e fundadora cultural, as serpentes como ameaças superadas – destacando a vitória da vida e da ordem.
Mulher do Céu e a Fundação da Ilha da Tartaruga (Iroquois/Haudenosaunee, América do Norte)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]A única imagem gerada por IA que incluí, pois realmente é impressionante
O mito de criação dos Iroquois (Haudenosaunee) centra-se em uma mulher do Mundo do Céu. Nesse reino celestial, uma curiosa ou grávida Mulher do Céu (também chamada de Atahensic em algumas versões) cai ou é empurrada por um buraco sob uma árvore celestial. Abaixo havia um vasto oceano primordial com animais aquáticos. Vendo a mulher caindo, os pássaros (frequentemente gansos ou cisnes) voaram e gentilmente a pegaram em suas costas, salvando-a. Os animais perceberam que ela precisava de terra para viver, então a Tartaruga se ofereceu para sustentar a terra em suas costas. Mergulhadores – Castor, Lontra, Pato – se revezaram tentando recuperar solo do fundo do oceano. Finalmente, o pequeno Rato-almiscarado conseguiu, emergindo com um punhado de lama antes de morrer do esforço. Os outros animais espalharam essa lama na carapaça da Tartaruga. Milagrosamente, a lama começou a crescer e se espalhar até formar uma ilha – que se expandiu para se tornar América do Norte, conhecida como Ilha da Tartaruga.
A Mulher do Céu foi colocada nesta terra emergente. Ela carregava consigo um punhado de sementes ou raízes da árvore celestial. Ela plantou essas, e elas se tornaram a primeira vegetação na terra. Logo, a Mulher do Céu deu à luz uma filha. A filha cresceu e, por alguns relatos, foi engravidada pelo espírito do Vento Oeste ou por um sonho. Ela deu à luz gêmeos: Boa Mente (frequentemente chamado de Hahgwehdiyu) e Má Mente (Hahgwehdaetgah), ou simplesmente o Gêmeo Bom e o Gêmeo Mau. Tragicamente, o nascimento foi fatal para a filha – um gêmeo nasceu normalmente, o outro forçou sua saída pela axila dela, matando-a. Assim, a amada filha da Mulher do Céu morreu, e a Mulher do Céu a enterrou. Do corpo da filha cresceram plantas básicas: milho de seu peito, feijão de seus dedos, abóbora de seu umbigo – as Três Irmãs culturas que sustentariam a humanidade.
A Mulher do Céu criou seus netos gêmeos na nova terra. Os gêmeos incorporavam a dualidade: Boa Mente criou características belas – estrelas, sol (do rosto da mãe deles), rios, animais – enquanto Má Mente distorceu as coisas – fazendo montanhas perigosas, espinhos, cobras e trazendo conflito. No final, Boa Mente venceu uma competição contra seu irmão (em algumas versões, usando chifres de veado para superá-lo), e Má Mente afundou abaixo da terra, governando como o espírito da desordem (às vezes associado ao inverno). Boa Mente (frequentemente equiparado ao deus Tekawerahkwah, ou apenas o bom Criador) então ajudou a Mulher do Céu a completar a ordenação do mundo.
Neste mito, as mulheres estão na própria gênese: a Mulher do Céu literalmente traz vida à terra (sementes, e sua linhagem), e o corpo de sua filha garante que o alimento crescerá. A Mulher do Céu é reverenciada como Mãe-Terra em certo sentido, e Avó da criação. Não há insinuação de erro por parte dessas mulheres; ao contrário, elas são originadoras da vida e mediadoras entre o divino Mundo do Céu e o reino terrestre.
Uma serpente aparece em algumas variantes iroquesas não como o tentador, mas como parte da criação do mundo natural ou como uma forma assumida pelo gêmeo mau (em algumas histórias, o Gêmeo Mau vai viver no oceano escuro e ocasionalmente tenta derrubar o mundo, causando eclipses ou outros problemas, assumindo uma forma de serpente ou dragão). Mas a serpente não é central; o conflito principal é entre os gêmeos representando nosso potencial para o bem e o mal. Os humanos entram na história mais tarde, criados pelo gêmeo Boa Mente a partir da terra ou argila animada (ou simplesmente sendo descendentes da linhagem da Mulher do Céu). Todos os humanos são considerados devedores das ações da Mulher do Céu.
A história de criação dos Iroquois simboliza ricamente a cooperação entre espécies (animais e uma mulher) para criar terra habitável. Celebra o poder criativo feminino – a Mulher do Céu como o catalisador para a vida terrestre e sua filha como uma mãe sacrificial da agricultura. O tema do dualismo – luz e escuridão, bem e mal – no motivo dos gêmeos aborda diretamente a condição humana: por que nosso mundo contém tanto beneficência quanto malícia, vida e morte. Mas, ao contrário de um cenário de Eva, a mulher não é culpada; de fato, ela é honrada como a primeira líder e primeira professora. Após descer, a Mulher do Céu instrui os animais e cuida do jardim do mundo. Algumas interpretações Haudenosaunee até a creditam com o estabelecimento do equilíbrio dos papéis: as mulheres cuidam do crescimento da terra (como ela fez com as plantas) e detêm autoridade familiar, enquanto os homens, simbolizados pela força dos animais, protegem e fornecem. Este mito também destaca a gratidão: os humanos na cultura iroquesa agradecem no Discurso de Ação de Graças à Mulher do Céu, à terra, ao milho e a todos os elementos nascidos desta história primordial, reafirmando que a vida consciente e moral é possível apenas por causa dos presentes do feminino e do mundo natural.
A Serpente Arco-Íris e as Irmãs Wawalik (Mito Aborígene Australiano)#
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Em toda a Austrália Aborígene, a Serpente Arco-Íris é um ser criador poderoso, frequentemente incorporando as forças geradoras da água, arco-íris e fertilidade, bem como a capacidade de destruição. Embora os detalhes variem entre os grupos linguísticos, uma narrativa famosa vem do povo Yolngu de Arnhem Land (Território do Norte), envolvendo as Irmãs Wawalik (Wawalag) e a grande píton Yurlunggur (Julunggul). As irmãs estavam viajando pela terra, nomeando lugares e criando poços de água. Uma irmã estava grávida, e enquanto acampavam perto de um poço sagrado, ela deu à luz, ou de acordo com algumas versões, ela estava menstruando. O sangue do parto (ou menstruação) fluiu para a água e acordou Yurlunggur, a enorme Serpente Arco-Íris que habitava lá.
Atraído pelo cheiro de sangue, Yurlunggur emergiu, e em um momento dramático, engoliu ambas as irmãs (e a criança recém-nascida) inteiras. Enquanto estavam na barriga da serpente, as irmãs começaram a cantar canções sagradas. Sua presença dentro da serpente e seu canto fizeram com que Yurlunggur se tornasse torpe e cheio de poder. Eventualmente, a serpente emergiu novamente e soltou as irmãs (em algumas narrativas, ele as regurgita, efetivamente dando-lhes renascimento). O ato de devorar e regurgitar é dito ter liberado uma inundação de energia criativa. Isso estabeleceu o padrão dos ritos de iniciação para o povo – a história é reencenada em cerimônias de iniciação masculina onde os jovens “morrem” (simbolicamente engolidos pela serpente) e renascem como adultos iniciados. Julunggul é frequentemente visto como feminino ou andrógino, associado ao poder das mulheres (menstruação, parto) e também ao poder que os homens buscam aproveitar em cerimônias. As Irmãs Wawalik, através de sua experiência, trazem o conhecimento do ritual sagrado e a conexão com a Serpente Arco-Íris para sua comunidade.
Em outras regiões, a Serpente Arco-Íris é creditada por moldar a terra —enquanto viajava, seus rastros sinuosos se tornaram rios e cadeias de montanhas. Ela frequentemente carrega uma dualidade criativa e destrutiva: trazendo vida com água, mas punindo aqueles que quebram tabus. Alguns grupos retratam a Serpente Arco-Íris como masculina, outros como feminina, ou como um par de serpentes. Em todos os casos, está ligada à fertilidade da terra e à maioridade das pessoas. Notavelmente, em muitas versões, as mulheres desempenham papéis-chave, seja como vítimas (como as irmãs Wawalik) ou como companheiras. Às vezes, uma mulher-rã ou mulher-enguia segura a água até que a serpente a libere, ou uma figura ancestral feminina deve ser apaziguada.
Nas tradições aborígenes, esses mitos fazem parte do Tempo do Sonho (Tjukurpa), o tempo da criação quando os seres ancestrais formaram o mundo e instituíram a Lei. A Serpente Arco-Íris é um Sonho ainda reverenciado; sua história é cantada em ciclos que se relacionam com cerimônias de chuva e iniciação.
O mito australiano da Serpente Arco-Íris com as Irmãs Wawalik ilustra uma mistura potente de gênero, conhecimento e transformação. As mulheres (irmãs) desencadeiam inadvertidamente a ação da cobra cósmica através de processos corporais naturais, destacando como o poder reprodutivo das mulheres está entrelaçado com o sagrado. O resultado – seu engolimento e eventual retorno – estabelece um conhecimento cultural crucial: os ciclos de morte e renascimento na iniciação, e talvez um aviso sobre respeitar locais sagrados. A serpente aqui é uma iniciadora e legisladora, não uma enganadora. Seu simbolismo é rico: arco-íris (frequentemente vistos após chuvas) conectam céu e terra, assim como Yurlunggur conecta os mundos humano e espiritual no rito de passagem. Em vez de dar ou reter frutos ou fogo, essa serpente media ciclos de vida e chuva. Através da lente da condição humana, as histórias da Serpente Arco-Íris explicam por que temos cerimônias sagradas, por que a água é vida e por que transgredir a lei sagrada (como tempos de tabu para mulheres em poços de água) pode ser perigoso. O papel das mulheres é novamente fundamental – como portadoras da vida e como figuras cujas interações com a serpente trazem a vida espiritual estruturada da comunidade.
Tāne e Hine: Do Barro ao Submundo (Māori, Nova Zelândia)#
[Imagem: Conteúdo visual do post original] Lintel da história da criação. Note que esta é uma versão do agachador. Note que eu (e outros) já escrevemos sobre a difusão deste tema da Eurásia. Esta é a deusa mãe também encontrada em Gobekli Tepe.
Nas tradições Māori de Aotearoa (Nova Zelândia), a criação dos humanos e a origem da morte são explicadas através dos feitos do deus Tāne e duas mulheres importantes que ele trouxe à existência: Hine-ahu-one e Hine-titama (que se torna Hine-nui-te-pō). Inicialmente, o mundo foi formado quando o Céu (Ranginui) e a Terra (Papatūānuku) foram separados por seus filhos. Após separar seus pais para deixar a luz entrar no mundo, Tāne Mahuta (deus das florestas) começou a povoá-lo. Ele criou a primeira mulher, Hine-ahu-one (“Donzela Formada da Terra”), de barro vermelho sagrado em Kurawaka (os lombos da Mãe Terra). Ele moldou sua figura e então soprou vida nela. Hine-ahu-one ganhou vida como a primeira mulher humana. Tāne então se casou com essa primeira mulher (em certo sentido, sua filha, já que ambos descendem da Terra) e eles tiveram uma filha, Hine-titama (“Donzela do Amanhecer”).
Hine-titama cresceu sem saber que seu pai também era seu progenitor. Ela se tornou esposa de Tāne também e teve filhos – assim os humanos descendem deles. Um dia, Hine-titama perguntou a Tāne quem era seu pai, pois sentia algo errado. Quando Tāne revelou a verdade – que ele era tanto pai quanto marido dela – Hine-titama ficou dominada por choque e vergonha. Sentindo que não podia mais permanecer no mundo da luz após esse incesto não intencional, ela fugiu. Ela viajou para o submundo, decidindo residir lá. Lá, ela se transformou em Hine-nui-te-pō (“Grande Mulher da Noite”), a deusa da morte e governante do submundo. Quando Tāne tentou segui-la e reconquistá-la, Hine-nui-te-pō disse-lhe para voltar e criar seus filhos no mundo acima. “Eu esperarei por eles na noite”, ela disse, indicando que todos os seus descendentes (todos os humanos) eventualmente viriam a ela, passando para seus cuidados através da morte.
Hine-nui-te-pō é frequentemente retratada como uma figura formidável com olhos flamejantes e dentes de obsidiana. Em uma lenda popular, o herói Māui busca derrotar a morte revertendo o processo de nascimento: ele tenta rastejar para dentro do corpo de Hine-nui-te-pō para destruí-la por dentro, entrando por sua vagina enquanto ela dorme. Mas o pássaro rabo-de-leque ri, acordando-a, e ela esmaga Māui com os dentes de obsidiana, matando-o. Assim, a mortalidade tornou-se permanente para os humanos – a arrogância de Māui falhou e os humanos não puderam escapar do poder de Hine-nui-te-pō.
Na mitologia Māori, a criação da primeira mulher a partir do barro por Tāne é muito direta: é o sopro de vida (haora) que a vivifica. Este tema ressoa globalmente (vida da terra, sopro da divindade). Mas a reviravolta exclusivamente polinésia é a história da autoexílio de Hine-titama, que explica como a morte entrou no mundo não como uma maldição de um trapaceiro, mas como uma escolha feita por um ancestral para assumir o papel da Morte em prol da ordem cósmica. Hine-nui-te-pō não é má; ela é descrita como uma avó gentil, embora severa, que recebe as almas de seus descendentes. As mulheres neste ciclo de histórias são centrais: uma é a primeira humana e mãe de todos, outra se torna a guardiã do além.
O motivo da serpente ou dragão está ausente na criação Māori, mas às vezes a temível vagina dentata de Hine-nui-te-pō é comparada à boca de um monstro – na busca fracassada de Māui, ela é o perigo a ser superado, análoga de alguma forma aos desafios como dragões em outros mitos.
As histórias de Tāne e Hine destacam a agência feminina no estabelecimento de aspectos fundamentais da existência humana. Uma mulher feita de terra (Hine-ahu-one) garante que somos filhos da Terra. A decisão moral de sua filha de partir em vez de viver na vergonha institui a morte como uma parte natural da vida. Nenhum diabo externo ou serpente causa a queda do homem; em vez disso, a morte nasce de um conhecimento trágico (verdade incestuosa) e da resposta de uma mulher a isso. Isso adiciona uma camada comovente à condição humana: não morremos porque roubamos algo ou fomos enganados, mas porque uma bisavó há muito tempo nos ama o suficiente para nos receber quando a vida termina, tirando o fardo da imortalidade. No pensamento Māori, isso não é um castigo; é whakapapa – destino genealógico. E foi posto em movimento por Hine, uma mulher cujos papéis abrangem tanto a beleza do amanhecer quanto o mistério da noite.
Conclusão: Mulheres, Serpentes e o Amanhecer da Consciência#
[Imagem: Conteúdo visual do post original]“A Turbulência do Ser”, 2016, Ravi Zupa. (Nuwa e Fuxi)
Desta pesquisa abrangente, vemos alguns fios temáticos claros. Mulheres em mitos de criação são esmagadoramente retratadas como contribuidoras essenciais para a origem da humanidade e o conhecimento civilizacional. Seja deusas como Inanna roubando as artes da civilização para seu povo, Ísis enganando o deus do sol para empoderar o governo justo de Osíris, ou heróis culturais como Mama Ocllo ensinando as primeiras mulheres a tecer, Mulher Mutante formando os clãs Navajo, e Mulher do Céu fundando literalmente a terra e a agricultura – o feminino é uma fonte de vida, sabedoria e ordem social. Mesmo quando um ato feminino introduz dificuldades (Pandora abrindo o jarro, ou Eva compartilhando o fruto), é inseparável da aquisição de maior consciência ou capacidade (esperança no caso de Pandora, conhecimento moral no caso de Eva). Figuras femininas frequentemente incorporam uma mistura paradoxal de nutridora e iniciadora de mudanças. Nas representações mais positivas, a mulher é a primeira professora, aquela que media entre humanos e o divino (como Nüwa ensinando o casamento, ou Hine-nui-te-pō proporcionando uma vida após a morte). Em contos mais ambivalentes, a mulher é uma figura limiar cujas ações movem os humanos da inocência para a experiência (Eva, Hine-titama). Em quase todos os casos, sem ela, a história – e a humanidade – não progrediria.
Serpentes e criaturas semelhantes a dragões aparecem repetidamente com uma face dupla: são símbolos de sabedoria, vida e continuidade em muitas culturas, mas também podem representar caos ou conhecimento perigoso. Vimos serpentes que apoiam a criação – por exemplo, as serpentes cósmicas como Aido-Hwedo sustentando a terra, ou a Serpente Arco-Íris moldando a terra e iniciando a juventude – e serpentes que roubam ou bloqueiam a imortalidade, como a cobra na história de Gilgamesh, ou Kāliyya Nāga em alguns contos hindus (não cobertos acima) que envenenam águas até serem subjugadas. A serpente bíblica destaca-se como uma vilã que concede um despertar moral a um preço alto, enquanto a Serpente Emplumada (Quetzalcoatl) é um herói que tanto cria quanto civiliza. Isso mostra como o contexto cultural molda se a serpente é vista como amiga ou inimiga. Uma cobra trocando de pele pode significar renovação e sabedoria (como no folclore africano e asiático) ou decepção e perda da inocência (como no folclore semítico). Importante, as serpentes são muito frequentemente guardas de coisas sagradas – a serpente de Enki do Abismo, Píton em Delfos no mito grego, ou a serpente arco-íris guardando a água – e às vezes os desafiadores ou trapaceiros que forçam os humanos a se adaptarem. Em nossa pesquisa, sempre que serpentes entraram na trama, sinalizaram um ponto de virada: ganhando conhecimento (Éden), garantindo equilíbrio (serpente de Mawu), conferindo iniciação (Serpente Arco-Íris), ou prevenindo a imortalidade (serpente de Gilgamesh). Em cada caso, o caminho da humanidade foi alterado através do contato com essa criatura liminar.
Crucialmente, esses mitos oferecem respostas a perguntas universais: “Por que somos do jeito que somos? Como aprendemos a viver como humanos, e por que devemos sofrer, morrer, mas também ter esperança e prosperar?” As respostas diferem: para os sumérios, o conhecimento é um presente ganho por uma deusa e a mortalidade é simplesmente o modo das coisas; para os hebreus, o conhecimento está entrelaçado com a desobediência e a mortalidade é uma penalidade; para os gregos, o fogo tecnológico nos eleva mesmo quando a curiosidade de Pandora nos aflige. No Upanishad indiano, nossa individualidade nasce de uma divisão primordial – somos literalmente a consciência do universo, dividida, buscando reunião. Nas histórias Navajo e Inca, os humanos não caíram de forma alguma – apenas não foram ensinados até que uma pessoa sagrada mostrasse o caminho. A presença da morte é explicada ternamente pelos Māori como resultado de uma escolha de uma bisavó, enquanto nos relatos zoroastrianos e iroqueses é devido a forças malévolas ou um gêmeo fatídico. Apesar dessas diferenças, um tema comum emerge: a humanidade sempre chega a uma maior plenitude de vida através de um evento crucial, muitas vezes envolvendo uma ação feminina (criativa ou transgressiva) e/ou um encontro com uma serpente/dragão (sabedoria ou perigo).
Muitos desses mitos também enfatizam que com os dons da civilização ou consciência vem uma responsabilidade ou custo. A civilização é sagrada – escrita, agricultura, tecelagem, lei são frequentemente ensinadas por deuses e devem ser honradas. A autoconsciência é de dupla face – nos dá poderes divinos (para entender, criar) e problemas divinos (preocupação, arrependimento, conhecimento da morte). O papel das mulheres como primeira ancestral ou professora frequentemente sacraliza os papéis sociais das mulheres (mães, sacerdotisas, guardiãs da tradição), enquanto as serpentes recorrentes sugerem que o caminho da humanidade para a sabedoria nunca está sem risco ou complexidade.
Em suma, os mitos de criação e origem do mundo formam uma tapeçaria onde:
Mulheres aparecem como portadoras de vida e conhecimento, desde a ousada Inanna e a compassiva Mulher Mutante até a curiosa Eva e a devotada Mulher do Céu.
Serpentes/Dragões servem como guardas de segredos profundos – às vezes compartilhando-os, às vezes barrando-os – seja a serpente no Éden oferecendo conhecimento com uma picada, ou a serpente arco-íris iniciando jovens na idade adulta.
Consciência humana e civilização são retratadas não como acidentes triviais, mas como resultados de intenção divina, drama cósmico ou feitos corajosos. Devemos ter conhecimento (quase todos os mitos mostram os humanos eventualmente recebendo o conhecimento de que precisam), mas também herdamos labuta, mortalidade ou obrigação moral como parte do pacote.
Essas histórias, embora variadas em origem – de desertos a selvas, de cidades antigas a acampamentos nômades – todas lidam com o que significa ser humano. Ao colocar mulheres primordiais e serpentes poderosas em papéis proeminentes, reconhecem que o surgimento de nossa humanidade está profundamente ligado a nascimento e sexo, sabedoria e tentação, terra e animal, coragem e curiosidade. Cada narrativa forneceu às sociedades primitivas um senso de identidade e uma explicação para por que a vida contém tanto ordem quanto luta, conhecimento e mistério. E em todas elas, o amanhecer da autoconsciência humana não é um evento mundano, mas uma transformação sagrada e crucial – uma que tradições ao redor do mundo preservaram por muito tempo na memória mítica.
Embora, se você quiser ler mais, outras boas fontes incluem: Lista de Mitos de Criação da Wikipedia, Dicionário de Mitos de Criação de Leeming e Serpente Cósmica de Narby (para o ângulo da serpente). ↩︎